Dobradura Curva
(Galeria Raquel Arnaud, 2017)



Dobradura curva é uma incongruência, reunião de termos contraditórios, um oximoro. No entanto, a natureza paradoxal dessa união de imagens que se excluiriam por princípio, descreve com precisão o trabalho com folhas de papel que a artista dobra e curva no ateliê, moldando-as com a pressão dos dedos. Analogamente às antíteses que criam um novo sentido, o procedimento misto da dobradura moldada em curva, cria um novo conceito, um novo problema plástico para o trabalho de Iole de Freitas.

Iole cria suas próprias leis de geometria e materializa a potência criativa do seu pensamento abstrato em folhas espessas de aço, matéria que por seu peso e rigidez intrínseca desafia a fluidez distintiva do seu traço. No entanto, tal progressiva resistência da matéria, o esforço crescente para dobrá-la ao seu raciocínio plástico, parece ter se tornado parte integrante da poética da artista que deixou para trás metais e materiais mais dóceis, ao embarcar neste embate titânico no qual deve impor sua arte a ferro e fogo.
A beleza brutal do aço, ligada ao universo real e metafórico da violência, passou a fazer parte do trabalho de Iole desde a exposição no MAM-RJ em 2015. Lá, as esculturas de grande elegância mas pesadíssimas, atravessadas por flechas e lanças que se interceptavam em uma ameaçadora batalha aérea, obedeciam à particular concepção de equilíbrio e flutuação própria à artista.

À diferença das torsões características do trabalho suspenso no ar, que supunha o deslocamento espacial do espectador ao buscar a visão da obra que desenhava espaços inapreensíveis, os trabalhos com a dobradura curva propõem a imagem de um espaço que contém em si as formas em movimento, dando a sensação de que podem ser absorvidos totalmente em uma única percepção, por um espectador imóvel.

Algumas obras de pequena dimensão pousam sobre as paredes como relevos. Não mais as atravessam, extravasando sua potência formal no espaço externo ao edifício. A forma côncava das dobraduras impõe a flexão convexa ao restante da lâmina que adere às curvaturas, arredondando a superfície que, desse modo, se aproxima da parede contendo o volume que se projeta externamente.

Outras obras evidenciam a experiência visual da arquitetura ao pôr em relação duas lâminas – unidas em ângulo agudo em um único ponto - cuja imagem plástica resultante é fortemente evocativa dos atravessamentos espaciais e dos vãos livres de pontes e museus. A velocidade das linhas que as constroem e a monumentalidade que projetam estabelecem um jogo de escalas que parece eliminar as divisões entre escultura, arquitetura e pintura: uma síntese para cujo efeito é decisiva a vibração luminosa do metal e o reflexo de um plano sobre o outro, fazendo convergir linha, cor, movimento e espaço.

Ainda que se trate de movimentos correspondentes, a relação de causalidade entre as dobraduras curvas e o arqueamento das lâminas, é sempre imprevista. Nas obras de maior porte, as concavidades semicilíndricas colocadas no espaço se articulam em uma construção meticulosa, centrada em um eixo inclinado, do qual parecem emanar as formas em rotação.

A acentuada assimetria da obra exclui que possamos adivinhar o que há do outro lado, mas os vazios que a movimentam consentem distinguir diversos planos que se interceptam e ligam a escultura como um todo, fazendo ecoar as lições de Umberto Boccioni e as “sucessões dinâmicas” de sua garrafa no espaço.

Elisa Byington
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Vistas da exposição Dobradura Curva, realizada na Galeria Raquel Arnaud em 2017. 

Fotos: Sergio Araujo.

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Vistas da exposição Dobradura Curva, realizada na Galeria Raquel Arnaud em 2017. 

Fotos: Sergio Araujo.

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